sexta-feira, 4 de julho de 2008

"É um prédio curioso... quando se vê de longe..."


Todo como uma rocha, uma pedra única de cimento e barro, parece que algum dia ele vai despertar e sair andando dali. O lugar? Qualquer um menos aquele. Mas eu gostava de ficar embaixo dele, sentado num banco de cimento pregado no corredor externo do térreo. Meu pai e eu passávamos bons tempos lá. Eu levava a minha bicicleta velha, toda em pedaços, que eu tinha na cor azul, ou pegava emprestado a do meu pai e passava horas a correr pelo Campus, dando voltas e voltas, e mais voltas. Depois eu voltava, sentava ao lado do meu velho e ouvia seus discursos sobre a Bíblia Sagrada e as histórias, verídicas ou não, que lá estão escritas. Até me lembro que discordávamos de diversos pontos. Sempre achei que o meu pai fosse fundamentalista demais - e de fato ele é. Já ouviu a expressão "A Bíblia é a sua espada"? Pois então, isso resume tudo que estou contando - . Mas o meu pai era muito bom mesmo em contar histórias, e me surpreendia quando descrevia detalhes dos acontecimentos finais do mundo, ou quando contava as historinhas de Davi, Sansão... Jeremias, Cristo, e muitas outras que eu costumava ouvir toda manhã de domingo na igreja.
Depois de respirármos bastante ar puro, às vezes dávamos voltas sem rumo certo. O que bastava era andar, fosse por ali ou acolá. Andávamos, só isso. Certa vez ele subiu numa árvore cheia de azeitonas roxas, formigas e tudo mais, apenas para pegar os frutos. Ele sabia do meu gosto, e por isso foi até lá, mesmo que lhe custasse tomar algumas mordidas. Para ele não importava a dor, o esforço mínimo ou gigantesco que fosse. Assim, eu não lembro de uma só ocasião em que ele não tentasse me ajudar. Seu contentamento esteve todo tempo em me ver feliz. Certa vez, juntos, nós criamos duas pipas e ficamos durante horas brincando em frente ao CFCH, numa área verde. Foi nesse mesmo dia que minha pipa se deixou levar pelo vento forte e entrou numa sala do décimo ou décimo primeiro andar, não sei. Uma mulher pôs o rosto para fora da janela, fez um xingamento e depois entrou. Salvo o desastre, a situação teve muita graça. Meu pai e eu rimos durante horas, e acabou que sempre no meio de uma conversa qualquer, vez ou outra, ríamos novamente, lembrando e relembrando a desgraça da magnífica "pipa assassina". Aqueles dias sob a sombra do titã de pedra nos fizeram bem, pois jamais terminou de outra maneira que não fosse a mais agradável.
Às vezes eu subia e descia pela esteira que leva ao primeiro andar e que hoje está desativada. Corria para ver a turma da primeira sala, soltava gracinhas e retornava ao térreo. Nessas situações, os alunos prestavam bastante atenção em mim... acho que gostavam, mas, nem sei porque nunca mandavam seguranças falarem comigo; nunca havia alguém para me tirar dali. Contudo, na primeira vez que os garotos me olharam fiquei preocupado, pensando que talvez eu estivesse mesmo errado em ir até lá. Enfim, essa história nunca deu em nada.
Nos últimos dias eu pensei nas coincidências daquele tempo e o de agora. Exatamente porque foi nessa mesma sala perto do final da esteira que eu tive minhas primeiras aulas do curso de História. Eu apenas era um pequeno brincalhão, jamais havia pensado em estudar ali, naquele prédio. Na época eu devo ter pensado em ser um bombeiro, motorista, astronauta... Historiador? Háh! Isso não entra na lista do "quero ser quando crescer". Foi assim que eu descobri o que os moços simpáticos tanto faziam por lá. Coisa que nunca fiz ou ousei fazer foi entrar no prédio. Eu pensava que era preciso credencial, ou, sei lá... ticket, talvez. Nunca mencionaram comigo nada a respeito do ambiente interno do Centro. Fiquei mais ciente disso ao longo do curso, e desde que eu inicei só tivemos professores bem loucos. E nós temos professores bem loucos! E - será possível?! - nós teremos professores ainda mais loucos!
Quando me debruço na janela da sala vinte e um às vezes esqueço do tempo... às vezes me lembro um pouco, ainda cheio de falhas na memória, do meu tempo infantil, dos meus "dias de esteira", da sala onde entrou a pipa e que hoje talvez seja a mesma da professora de Brasil V (que ela não saiba disso :D). Lembro mesmo é do tempo ganho, e não perdido, sentado junto ao meu pai no banquinho próximo à entrada do Centro. Sentado nos bancos de praça que estão no meio do corredor do segundo andar eu fico voando, como se tentasse refazer o nosso quase ritual familiar dos fins de semana... tomando o vento que corre da janela até onde estou, dialogando bobagens com os amigos mais próximos e os mais distantes. Abro meu sorriso tímido e reflito: "A vida é boa".

Nenhum comentário: