sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Coma



Descrito,
(re) produz as extravagâncias.
Vida
real
Personagem
de fazer-pensar.

Palco
estranho.

O ator,
a televisão,
dependentes químicos.
Calígula,
os Mandamentos,
as últimas semanas...

O verbo contra a carne:

é a porção que toma
para si
a máxima
do ser que encarnou.

sábado, 13 de dezembro de 2008

... e foram parar na casa dos loucos.



Para Daniele Jardim, meu anjinho-irmã


Calor da tarde: o mais incômodo do dia. Andar por inúmeras lojas, sem se proteger debaixo de um pouco de sombra, nem tomar um delicioso refresco, era quase como cometer suicídio. O garotinho caminhou nos mesmos passos da mãe. Foram juntos descansar no interior de uma loja americana de doces, roupas e eletrônicos bem próxima ao centro da cidade. As pessoas, todas apressadas e preocupadas com a enorme fila de pagamentos que se formava no térreo do prédio, esbarravam umas nas outras, sem avisar ou pedir desculpas.
O garoto e sua mãe pisaram os degraus da escada rolante da loja, seguindo rumo ao departamento de brinquedos e vídeo, onde a mamãe logo cuidaria de averiguar os utensílios para o lar num tempo suficiente para que o garoto pudesse experimentar os brinquedos que sonhava em ter, mas que jamais poderia comprar. Os discos desorganizados nas estantes à esquerda, no departamento de áudio e imagem, também interessavam ao garoto: correu para ver o quarto disco do Led Zeppelin. Infelizmente, tudo era caro.

[É curioso observar que o mais incômodo acontecimento que há em nosso corpo humano é, talvez, a sensação de descontrole, e é impossível estar feliz quando se tem uma súbita e inadiável vontade de ir ao banheiro. Por mais que nos concentremos em fantasias sexuais para driblar a vontade de fazer o número 1, a dor é mais forte... e a bexiga, os rins e a uretra protestam veementemente: "Libertem-no! Libertem-no! Libertem-no! ...".]
O garoto se encontrava muito distante da mãe. Resolveu procurá-la para avisar aonde ia e, assim, tranqüilizá-la.

- Até que o banheiro dos homens está vazio... - o garoto falou para si mesmo - Mas que engraçado... eles todos estão entrando no banheiro feminino. Bando de malucos... ou tarados! Será que é apenas para funcionários?

Decidiu arriscar, antes que acontecesse uma explosão. Caminhou até à porta e leu o aviso: "Por favor, não utilizar o banheiro masculino. Estamos em teste de segurança”.

- Ahhhhhh, droga! Isso só pode ser gracinha do pessoal da loja... - irritado, disse o garoto - Mas eu vou morrer!

Parou, tentou segurar ao máximo aquele impulso orgânico e decidiu adentrar o palácio proibido, já esquecido do aviso amarelo pendurado na porta.
Girou a maçaneta, vagarosamente, e, como numa comédia de sessão da tarde, os alarmes logo exaltaram sua falta de discernimento para lidar com a estúpida decisão tomada. Um repentino medo o assombrou. Diante dos olhares acusadores, o garoto procurava desesperadamente encontrar sua mãe e fugir da cena do crime.

- Mas o que você fez? - a mãe indagou
- Nada! Eu só precisava ir ao banheiro, e aí um alarme tocou.
- Tá, vamos embora! Mas preciso levar esse presente. A gente desce e tenta pagar, mas só se a fila estiver pequena; se não, deixo lá. Ai, meu Deus...!

Os dois apressaram os passos e desceram as escadas, seguindo rapidamente para a fila, enquanto o alarme continuava a tocar tão alto e assustador quanto o ritmo do coração do menino. A boca aberta, o olhar vidrado, as mãos trêmulas e a vontade desesperada de sair o mais rápido possível do estabelecimento. A fila parecia maior ainda, aos olhos do garoto, como um novo tipo de corredor da morte interminável. Para uma criança assustada como ele, o simples girar de uma maçaneta e o soar de um alarme de segurança seriam suficientes para prendê-lo pelo resto da vida. O garoto só conseguia imaginar uma cara endiabrada de um juiz muito gordo e de barba grisalha, voltando-se contra sua pequenice, e gritando: "Culpado!”.
Os trinta segundos que se passaram logo depois da visão afligiram seu ser. A mãe pôs a xícara colorida no caixa, observou o preço da caneca, esperou a nota fiscal sair e procurou os dois reais e noventa e nove centavos guardados na bolsa (universo feminino). Absolutamente apavorado com aquele caos, o garoto arrancou uma cédula de cinco, puxou o braço direito de sua mamãe, olhou para a funcionária e disse:

- Pode guardar o troco!

Caminharam aproximadamente dez metros rumo à saída principal da loja, logo depois seguindo para o ponto de ônibus mais próximo. Ao longe, duas viaturas policiais e um carro-forte da empresa de segurança da loja chegaram para conter os criminosos. Mais aliviado, os dois conversaram sobre o caso:

- Nossa... que susto. Ainda bem, passou. - disse a mamãe
- Aiai... e eu só precisava fazer um xixizinho...
- ...
- ...
- Hahahaha
- Hahahaha

Depois de toda bagunça terminada e já dentro do ônibus, de volta para casa, veio-lhe um pensamento irrisório:
"Só poderia mesmo se chamar Rua do Hospício".

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Os animaizinhos subiram de dois em dois...




Para Suhelen Aragão, com todo meu afeto angelical



[A data natalina parece ter mesmo sua mágica. As pessoas, contentes demais, distribuem presentes, repartem felicidade com os familiares, doam roupas e comida aos desabrigados... Sobra até um tempinho para desejar feliz natal a todo mundo, inclusive aos desafetos.
Ah, o Natal... Que data especial! Somente uma comemoração tão sensível para aguçar o nosso gosto]

O garotinho percebeu muitíssimo bem que o problema não se encontrava na festa de aniversário do menino Jesus.

- O problema está nas pessoas gostarem do papai noel, isso sim - sempre dizia, inconformado - Mas o que há com essa gente, afinal?

Mesmo contra a sua vontade, durante a última semana pré-natalina, a sua mamãe e ele foram ao centro da capital comprar presentes para a festa dos amigos secretos. Para ele não havia nenhuma graça. A cidade plantada no mesmo lugar de antes, cheirando à água fétida e fumaça, com as pessoas de quase sempre caminhando de um canto a outro em espaços apertados. Era uma visão do inferno. Quente e amargo inferno.
Em cada loja que passavam era possível ver uma árvore plástica de natal rodeada por adereços, músicas saindo de harpinhas eletrônicas em gravações muito antigas, vendedoras atraentes caracterizadas de ajudantes de Papai Noel e vários cartazes com promoções imperdíveis e magníficas parcelas que poderiam ser pagas apenas após o Carnaval. Andaram aproximadamente duzentos metros, trezentos metros, um quilômetro... Nada o garoto podia fazer... senão esperar e esperar, cansado, pela próxima escolha da sua mamãe. "Um pano de prato ou um porta-copos?", "Boneco ou carrinho?", "Sapatos escuros ou claros?”.

Tudo lhe parecia irremediável. Até que, como se tivesse pousado para fazer um rápido pit-stop, apareceu bem no meio da Rua da Imperatriz um enorme trenó, e junto com ele um bom velhinho simpático que logo saiu conquistando a criançada.

- Venham, venham! Ho ho ho!

Uma multidão logo se fez em volta do carro vermelho. O papai noel número 2.669 ou 4.890 (e quem sabe quantos são afinal) bradou, bonachão, mais uma vez: - Venham, venham! Ho ho ho!

O garoto, tranquilo e ardiloso, resolveu investir seriamente em seu propósito demoníaco de aprontar travessuras com o velho. Sorrisos safados e mãos que ele alisava satanicamente; e os animaizinhos subiram de dois em dois.... Cada criança com mais uma ao lado, criteriosamente separadas por sexo, tamanho e idade.

Ele jamais acreditou no mito. Desde pequeno, sabia que se tratava de um senhor profissional contratado para o serviço, e que não era sequer um substituto do original... pois o original jamais havia existido. Mas depois de um dia nervoso, por que não rechear os bolsos com confeitos de segunda e ainda pedir um presente especial de Natal? Não custaria nada "entrar naquela festa boboca de crianças tão crédulas", pensava ele.
O alvoroço era enorme: para cada moleque que se aproximava do velho, um grito do papai ou da mamãe pedindo para que sentasse no colo do bom velhinho, fizesse o pedido e sorrisse para mais uma foto.

- Ai, um primor! - disse uma mãe eufórica, enquanto sua filhinha de dez subia as escadas da arca de Noel, pronta para receber toda a luz mágica e pura do Natal.

Uma outra criança pediu: - Eu quero uma bicicleta, Noel!

- Uma bola...!
- Uma boneca, Papai Noel!
E, a cada menino ou menina que seguia adiante, o garoto malvado chegava mais perto. Já no carro, um garoto mais novo que ele tomou posição e adiantou-se, correndo para os abraços do velho. Passou pouco mais que um minuto escolhendo o pedido, sorriu para a câmera, como deveria fazer, e deu um abraço muito gostoso no homem. Desceu correndo as escadas, e foi-se.
O garoto repensou o plano. Talvez porque lhe tivesse entrado no peito o germe que encanta cada criança que já ouviu falar em Papai Noel desde cedo. Talvez por remorso de querer machucar um homem que nem sequer era responsável por nada...

Sentou-se direitinho em cima do velho, pediu logo todos os doces e saiu de fininho, dando a entender que havia sido por acidente o chute no saco do papai Noel. O bom velhinho gritou como nunca talvez tivesse gritado, proferiu todos os palavrões possíveis e inimagináveis, assustando os papais, as mamães e causando choro na criançada.

- O Papai Noel é mau!
- Feio!

Ninguém reparou o motivo, e o garoto desceu contente, pronto para aventurar-se de novo com as compras e a mamãe. Seu sorriso sarcástico no canto da boca realçava sua felicidade natalina.

- Estranho... Você nunca gostou disso! Nunca se convenceu. Por que foi até lá?! - perguntou a mamãe.
- Ah, foi só vontade. Eu queria ver como era um Papai Noel de perto. Mas eu continuo achando que ele é muito mau... A senhora viu aquilo??
- Ai, minha nossa! Vamos embora daqui! Que coisa mais horrível todo aquele palavrão...

Fizeram uma pausa para o lanche. Ao fundo, a polícia tentava conter um barbudo furioso, naquele lindo dia de Natal. 

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Um anjo com os pés descalços




Para Juliana Carvalho


Assim que pôde fazer a curva da primeira esquina, o homem vestido todo de branco, com os pés descalços, entrou no ônibus, pagou sua passagem e sentou-se junto comigo na parte de trás da condução. O dia estava claro e aparentemente perfeito, com sombras por todos os cantos, céu limpo de nuvens, todo azul, e de temperatura agradável.
Algo no perfil daquele senhor alto, esguio, me fazia entender que ele era de bom nível cultural. Pareceu-me bastante simpático.
Logo que sentamos juntos, me ofereceu um confeito de mel e algumas páginas de leitura. O livro era carismático: O Castelo, de Kafka. O senhor alvo (como em minha memória foi registrado) estava no sétimo capítulo da obra inacabada. Pouco exigente, preferiu comentar que simpatizava com obras inacabadas por simplesmente oferecerem um desafio.

- Pouco me importa o final. Mas, confesso, é bem melhor quando nos permitem imaginar o que talvez houvesse sido. E você? - perguntou.
- Não tenho uma opinião formada. Mas eu gosto de livros, filmes, telas... onde eu possa me ver. Apenas. O sentimento é fundamental.

Arregalou os olhos e disse:
- Ah, sim. Quando não sentimos, estamos mortos. – ele me disse, com ar irônico.

Ele ria de uma maneira pouco agradável. Não por soar deselegante, nem tão pouco ser de um jeito descontrolado e pouco educado. Ria de um jeito irônico e dolorido.
O senhor alvo parou o riso abruptamente, contemplou uma paisagem qualquer fora do ônibus e tossiu de leve. Tentou esconder a dor. Assim, sem querer, ele me revelou o seu mal-estar, e eu pude fazer uma suposição sobre o que se passava dentro dele.

- O senhor fuma ou já fumou, não é? - discretamente, perguntei.
- Pode estar certo disso. Eu disse "pode" - ele me respondeu, ao passo que movia para o alto um dos seus longos dedos. Então tive uma ligeira sensação de que o senhor alvo tivesse participado, em outros tempos, das campanhas a favor da democracia.
Sem mais uma palavra, passamos os dois cerca de vinte minutos calados, inertes, até que o senhor alvo se levantasse, me pedisse licença e passasse por mim com toda aquela sua majestosa veste branca. Retirou o terno claro que trajava para que pudesse se livrar de um incômodo calor que já fazia naquelas horas, deixando à mostra uma palavra estampada na região mais alta de sua camiseta clara: “Eu”.
Desceu a escadaria e tomou um rumo incerto.

No segundo dia, por uma coincidência, talvez, o senhor alvo e eu sentamos novamente no mesmo banco, cada um em suas exatas posições: ele, voltado para a janela; eu, voltado para o interior do ônibus. Ele já não vestia as roupas da tarde anterior. Estava melhor, embora mantivesse o colorido branco: calças em mais puro linho, uma gravata sedosa e um terno de ótima qualidade.
Observou que eu estava ao seu lado e quis me cumprimentar:

- Olá!
- Olá, senhor. Tudo melhor? – eu disse.
- Tudo melhor, rapaz. Ganhei um bom prêmio jogando no bicho. É que sonhei com um veado - falou mais alto que de costume. E completou, rindo bastante: - Mas não venha me estranhando por causa disso, hein! Olha lá!
- Longe de mim, senhor. Longe de mim... – eu respondi, gostando ainda mais da piada - Ah, digo, longe de mim pensar assim a seu respeito.
- Uhum. Exatamente, rapaz. Exatamente. - respondeu, todo risonho e contente.

A nossa pequena conversa seguiu tão simplesmente, que ao olhar para uma parte dos passageiros à nossa frente era possível notar que, na verdade, conversávamos em três ou mais. Durante esse tempo, uma senhora baixinha e animada, um tipo muito peculiar e semelhante à minha falecida avó, soltava uma risada gostosa que soava como uma cuíca em desfile de escola de samba do Rio. Ela sempre voltava o rosto em nossa direção e continuava sorrindo.

O que me chamou a atenção foi que senhor alvo estava mesmo melhor do que no primeiro dia; ria sem dificuldade e tinha uma paz de espírito transparente no rosto. Perto de seu ponto de chegada, falou comigo sobre sua neta mais nova: uma mocinha que iria completar seus oito anos.

- Pensei sinceramente em dar um presente bem bonito para ela. Com oito anos, o que se pensa em ganhar, hoje em dia?
- Bem - pensei com bastante cuidado - para crianças, as coisas sempre giram em torno de brinquedos. De todos os tipos de presente, é o mais agradável.
- Ah...
- Mas acho mesmo que o senhor deveria dar algo para recordar sempre. Um retrato seu, quem sabe.

O senhor alvo silenciou, levantou-se, pediu licença, livrou-se do terno branco e saiu.
Virou-se para procurar uma saída entre a pequena multidão formada no lado de fora, próxima ao ponto de ônibus e mostrou para quem pudesse ver, na parte de baixo da camiseta clara, uma outra palavra escrita: “Apenas”.

No terceiro dia, antes que o senhor alvo sentasse ao meu lado, comecei a pensar na mensagem que ele desejava transmitir através de cada uma de suas camisas. “Eu, apenas”... Aquilo tudo fazia pouco sentido para mim, mesmo que as duas palavras se complementassem. Sendo assim, Eu e Apenas formaram, para mim, uma frase enigmática seguida por três intrigantes pontinhos que me causavam agonia e uma curiosidade quase insaciável.
Após breve silêncio meu, eis que o senhor alvo reaparece. Mas estávamos muito distantes, embora mutuamente visíveis. A condução achava-se repleta de passageiros, tantos que nem era possível trocar de assento com a moça bonita sentada ao lado do carismático senhor sem que, para isso, se perdesse o antigo lugar. Eu tinha algo a lhe dizer, principalmente sobre as mensagens.
O tempo continuou a correr e, em exatos vinte minutos, o cidadão colocou-se de pé, pediu licença, caminhou rumo à saída, retirou o seu terno religiosamente, e pôs-se para fora do ônibus; mas não sem antes exibir mais uma camiseta branca, onde estava estampada outra mensagem: “Sei”.
Quando perdi o homem de vista, somente segui o meu itinerário ainda pensando no que pudesse ser.

No dia seguinte, o senhor misterioso estava de novo sentado no fundo do ônibus, lendo mais um capítulo de O Castelo enquanto pensava, com ar de filósofo. Passei tempo suficiente com ele para perceber que sempre erguia rápido a sobrancelha direita quando desejava ponderar sobre um assunto.
Mantivemos distância, fingindo não ter ciência da presença de cada um. Eu, sentado também ao fundo, na ponta esquerda; ele, similar, porém à direita.
Vi uma pasta de cor branca posta próxima à perna esquerda do senhor alvo, que não se incomodava com o balançar do ônibus cheio: continuava a leitura, mudando delicadamente de página, sem se preocupar com coisa alguma.
Antes de se levantar, terminou de ler a última página do último capítulo de Kafka e, depois, cerrou o livro. Pediu licença à pessoa que estava ao seu lado e sorriu balançando a cabeça, em sinal de não.
A pasta havia ficado. Antes, pude ver a sua camiseta com uma última palavra pintada. Enquanto o senhor alvo acenava para mim e confundia-se no meio da multidão, a última mensagem que consegui ler rapidamente foi: “Que”.

No horário entre o meio-dia e duas da tarde do dia seguinte, não tive notícias daquele senhor. Por aproximadamente duas semanas seguidas, estava completamente desaparecido. Mesmo sabendo que poderia abrir a pasta e ver o que lá estava, tive dúvidas sobre a decisão mais apropriada a tomar. Porém, já estava totalmente fora de questão manter minha conduta e esquecer a pasta. Resolvi abrir.
Dentro, uma carta:

“Caro rapaz,

Nesses poucos dias que convivemos juntos, você foi o meu pequeno e sincero alívio para o mal que me persegue desde o começo dos meus dias.
A vida é um tanto vazia quando não se têm propósitos, é verdade. Mas a pior verdade é quando não se fez nada por si além de noites e noites mal dormidas e boemia avassaladora. Encher o organismo de uma bebida barata e ardente parece retirar o vazio que se põe dentro de nós... Mas é uma absurda mentira: a única coisa que o álcool me fez foi proporcionar mais agonia de existir.
Não se pode culpar uma garrafa de cana pelos erros cometidos, próprios ou alheios, mas se pode culpar a si mesmo pela tragédia da vida, pensar a respeito de tudo até definhar e morrer... Ou compreender que o sentido de tudo é não ser e, simultaneamente, ser, com todos os gostos que se há de saborear nesse nosso trajeto.
Eu provei do amargo, com todos os bofetes que tomei na cara; provei do doce, nos dias acalorados, quando me deram uns poucos sonhos com que pudesse me aquecer. Provei do sal de suor e lágrimas. E para que eu pudesse sobreviver, comi e bebi de um pouco de tudo que sai ou entra em um corpo humano. Essa minha experiência de vida se resumiu a muitas drogas, delírios e cuspe.
Agora que te escrevo, sinto-me despreparado para cometer o “deslize fatal” e fico pensando “Como pode ser isso? : assistir a uma pessoa como outra qualquer em total necessidade e não sentir nenhum pingo de solidariedade... e passar bem longe, só para não ver. Isso só me lembra a hipocrisia do mundo, pois foram poucas as mãos a mim estendidas, e praticamente inúmeros os dedos que me apontaram na cara.
Mas acho que o desastre que eu e todos os meus amigos passamos nas ruas foi a maior infelicidade de todas. Chagas por todos os lados, calor insuportável... Quando se tinha sede, arranjava-se fácil um copo muito cheio de cachaça; mas, raramente, água limpa para saciar a sede. A educação que me deram veio das ruas, veio de todo resto de papéis e jornais espalhados nas praças. Eu lia de tudo, desde um panfleto de vendas até os restos do “jornal latino-americano mais antigo em circulação”. A fome que meus amigos e eu passávamos era bastante incômoda, mas tínhamos ainda força para dividir os restos. Sim, é preciso bastante força para dividir o pouco que se tem.
Aproveitei o meu conhecimento em escrita para pedir ajuda aos “órgãos”: não tive resposta. Somente pessoas com sincera bondade nos fizeram algo de melhor. E não falo absolutamente de alimentos ou roupas, mas também de afeto e um pouco de atenção respeitosa.
Ouço um monte de pessoas dizerem que apenas comida não soluciona; como também ouço que apenas palavras não curam um desalento assim. Nós que moramos em “lugar nenhum” esperamos os dois, e é preciso que se dê pelo menos um bocado de cidadania a quem nada tem. O nosso desejo inclui felicidade, realização... sonhos. Poder curtir a maravilha de uma loja de livros, lamber um bom sorvete em dia quente, assistir a uma bela partida de futebol, entrar numa doceria e “comprar” um delicioso chocolate, ter a sorte de jogar e faturar um bingo! Fazer coisas normais, sem nenhum tipo de suspeita e discriminação. Obter espaço...
”Respirar um pouco” não é vadiagem, é só o que uma pessoa como eu também deseja na vida.
Minha família é de rua: filhos e netos. Perdi a minha carinhosa Lígia, há três anos ou quatro.
Estou grato pelas roupas que até hoje me deram, pelo pão que comigo partiram e pelas palavras de mansidão que me fizeram não desesperar.
Meu caro rapaz, você me lembra muito o meu melhor amigo da infância. Portanto, foi ótimo estar com você naqueles dias, no ônibus. Resolvi ter meus últimos dias desfrutando um pouco da dignidade que me foi roubada. Por isso troquei meus últimos centavos de esmola por uma barba bem feita, um terno branco quase novinho. Apenas não pude arranjar os sapatos. Fiquei descalço.
Achei na rua o tal livro do Kafka: foi maravilhoso lê-lo. Ao término, fiquei com a impressão de que havia também alguma coisa “inacabada” feita para mim, numa convicção de que a minha história ainda teria uma parte seguinte, ainda por fazer.
Recebi camisetas que, outrora, serviram para uma apresentação de colégio. Meu singelo saber me fez pensar que se tratava de uma frase de Pitágoras...
Não tenho mais tinta para continuar a te escrever, mas devo dizer, aproveitando o momento, somente mais uma coisa: “Eu apenas sei que...” foi agradável ter te conhecido. Muito Obrigado.



Dois dias depois, fiquei sabendo exatamente onde o senhor alvo morava. Entreguei à sua neta mais nova aquela pasta branca e pus fogo na carta original, como um sinal de pesar pelo falecimento do homem.
Seu nome era Romeu, e “Eu apenas sei que” ele agora significa uma outra parte de mim...

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Recife










Várzea




segunda-feira, 10 de novembro de 2008

A história mais simples do mundo





Para a Senhorita Magali (meu amor)

Nasceu, chorou, gritou, respirou, silenciou, bebeu, comeu, borrou. Dormiu, despertou. Engatinhou, berrou... lambeu, sujou, pegou, soltou. Dormiu, sonhou. Chorou, chorou... chorou. Andou, falou, cresceu.

Comemoraram.

Brincou, caiu, brigou, perdoou, desculpou e envergonhou-se. Sorriu, sorriu, sorriu. Correu, pulou, chutou. "Gol!".
Estudou, aprendeu, reprovou... Passou.
Beijou, se apaixonou, suspirou.

Odiou. Esqueceu, lembrou. Mudou, escutou, viu, gostou: escreveu, rasgou.

Irou-se, calou-se, frustrou-se.

Reconheceu. Compreendeu. Confessou, declarou, ouviu... e se entristeceu. Ligou, desistiu. Esperou... Recomeçou.
Arrumou, insistiu, conseguiu, prosperou, deu, recebeu e ganhou.

Abraçou, cultivou, cantou, juntou-se e se emocionou.

Amou.

Agradeceu, congratulou. Viajou.

Retornou. Continuou.

Morreu.

Lembraram. Sorriram, choraram... de contentamento.

domingo, 9 de novembro de 2008

Olha o arlequim!



"Entrou por uma perna de pinto, saiu por uma perna de pato:
Seu Rei mandou dizer que contasse mais quatro!
Entrou por uma perna de pato, saiu por uma perna de pinto:
Seu Rei mandou dizer que contasse mais cinco!
"

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

O filho que eu quero ter




É comum a gente sonhar, eu sei
Quando vem o entardecer
Pois eu também dei de sonhar
Um sonho lindo de morrer.

Vejo um berço e nele eu me debruçar
Com o pranto a me correr.
E assim chorando acalentar
O filho que eu quero ter.

Dorme meu pequenininho,
Dorme que a noite já vem.
Teu pai está muito sozinho
De tanto amor que ele tem.

De repente o vejo se transformar
Num menino igual a mim
Que vem correndo me beijar,
Quando eu chegar lá de onde vim.

Um menino sempre a me perguntar
Um porquê que não tem fim.
Um filho a quem só queira bem
E a quem só diga que sim.

Dorme menino levado,
Dorme que a vida já vem.
Teu pai está muito cansado
De tanta dor que ele tem.

Quando a vida enfim me quiser levar
Pelo tanto que me deu
Sentir-lhe a barba me roçar
No derradeiro beijo seu.

E ao sentir também sua mão vedar
Meu olhar dos olhos seus
Ouvir-lhe a voz e me embalar
Num acalanto de adeus...

Dorme meu pai, sem cuidado.
Dorme que ao entardecer
Teu filho sonha acordado
Com o filho que ele quer ter...

(Vinicius de Moraes/Toquinho)

Beijos...


são beijos: não se consegue explicá-los.
Mas é óóóótimo entendê-los.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

{6}

Minha mãe e eu principiamos a falar sobre acontecimentos do dia, enquanto cada um permanecia ocupado com suas respectivas tarefas domésticas.
Então, me veio uma vontade: - Vou ligar a televisão.

Instantes depois:

- Aí sim! Essa televisão tem uma diferença enorme. A de lá (casa do meu tio) ficou com a imagem ruim. Nem dá pra ver as cenas escuras do filme...
- O que tá passando aí? - minha mãe pergunta.
- Uhn... nada demais. Um filme bem clichê sobre guerras, essas coisas. Parece que o nome é "Segundo em comando"... algo assim. É... o tio me falou.
- Ah, eu não gosto desses negócios de guerra. Ainda mais com esse tal de... "Macaulay Culkin".
- Ahauahuahua. Ai!
- Haha. Né ele não, é?!
- Aiai, mãe, só a senhora pra me fazer rir tanto assim. Confundir Van Damme com Macaulay Culkin... Haha
- Ahauhauauha. Ah! E eu sei lá!

sábado, 1 de novembro de 2008

"Leitinho"



"com você o meu chão é o espaço"
eu caminho por entre estrelas e brinco de me esconder atrás da lua
só pra você me achar logo depois do sol e me encher de calor
(-:

sábado, 25 de outubro de 2008

"Amor...




eu tô feliz só de lembrar que a gente se conhece
só de lembrar que eu amo você como você também me ama
só de pensar que está ótimo, esplêndido assim
e só de saber que a gente ainda vai se ter por muito muito muuuuuito tempo."
:-}
"Tenho um sentimento encantador guardado comigo, na mente e no coração: é sinônimo de Magali"

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

De tanto pensar em você...


*-*



Engraçado... como você me aparece em toda parte. ^^

"Olha o passarinho! ..."



click!

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

"Coraçãozinho"



"O amor é como uma bolinha de festa... e eu tô segurando bastante contra meu peito pra não soltar.
Só se eu couber dentro dele com mais alguém, aí eu saio voando... com você
"

"Vejo flores em você"



"Entre diversas coisas que me fazem pensar tão pra cima assim incluo você.
Eu acredito mesmo no amor, em suas várias formas. Acredito na paz... na compaixão... na gentileza, no respeito... mas disso tudo que eu já te disse aqui ou em outra ocasião, foi do que você me fez sentir. Aí eu acho que fica mais forte na gente pela junção do acreditar e sentir: não dá pra sentir amor sem acreditar em amor.
Amor é como um ato de fé: abstrato, porém "concreto"... real.
Eu acredito nisso, que possa existir... e acredito no que sinto por você. Amo você... tanto pelo que você é e pelo bem que me faz. E pelo bem que eu te desejo.
"

Passo-a-passo



"Uma boa risada é: rir sem se conter, durante alguns intermináveis segundos... e depois respirar fundo, soltando um ar agradável pelas narinas, enquanto se diz ai... alegremente. =)"

terça-feira, 21 de outubro de 2008

...



"É como se sentimentos bons tivessem um aroma delicado. A gente sente o cheirinho... e segue."

haha!



"e brincando... a gente acabou falando sério."

A mulher que se espera amar





"...Sempre entendi assim: ela te ama também, te faz rir e cuida de você. Além de tudo, é linda, em qualquer sentido que a palavra possa oferecer... principalmente o mais emotivo."

sábado, 18 de outubro de 2008

"Letras floridas"



"Amigo é pra ficar, se chegar, se achegar,
se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer
Amigo a gente acolhe, recolhe e agasalha
e oferece lugar pra dormir e comer
Amigo que é amigo não puxa tapete
oferece pra gente o melhor que tem e o que nem tem
quando não tem, finge que tem,
faz o que pode e o seu coração reparte que nem pão."

Trecho de
amigo é casa.

Música e letra: Capiba/Hermínio Bello de Carvalho

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

oba! (*)



"Nós teremos um ótimo dia."

*acho oba uma palavrinha mais acesa.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

"Mademoiselle..."



"O Tapete Mágico espera por você, então não se atrase.
Eu quero te mostrar diferentes emoções."

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

uôôôu!



"Toda sua vida
Você só esperava por este momento para ser livre
.
.
.
Voe!"

domingo, 12 de outubro de 2008

Ser criança:



Perca um pouco da seriedade e invista nisso. ;)

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Magali

Verdade que esquenta o coração, como uma espécie nova e delicada de flor que ao soltar suas pétalas pelo jardim inteiro continua mais e mais encantadora, deixando um aroma suaaaaaaave no ar.

terça-feira, 7 de outubro de 2008

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Aos queridos leitores (3)

Eu já conversei um pouco sobre meu livro com alguns amigos de plantão que praticamente vejo e falo todos os dias. Uma dessas pessoas de bem me fez ter uma idéia durante um diálogo via messenger (Mia), mas ela nem supõe o efeito definitivo que isso vai ter: resolvi que vou fazer Causa e efeito somente com colagens. Isso mesmo: cada capítulo será uma montanha de recortes de palavras tiradas de revistas ou jornais (prefiro revistas), que logo depois vou tratar de juntar para ver se formo frases, parágrafos, capítulos... e assim por diante, até concluir a história. Vai ser caótico até dizer "chega!"
Vai ser difícil? Acho que não. Mas eu quero muito jogar umas coisinhas anônimas assim num mural que tem lá no Centro de Filosofia... só pra ver no que dá. (Calma: não farei nada que vá infringir a lei ou lesar o direito de algum cidadão. :D)
Até!

"Sensação de pura refrescância!"



Lemon Ice Tea: "ahhhh!" :-)

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

:)

Enfant gâté =D diz:
ficou massa
silas. diz:
=D
Enfant gâté =D diz:
mas tem umas figuras solitárias.
silas. diz:
essa colagem eu coloquei na capa do meu caderno. aí algumas figuras ficaram soltas mesmo, mas significa você, eu... todos.
Enfant gâté =D diz:
tipo, cem anos de solidão rsrs
silas. diz:
haha
silas. diz:
ah.
silas. diz:
saquei.
silas. diz:
;-]
Enfant gâté =D diz:
mas tem mais.
silas. diz:
outro solitário?
Enfant gâté =D diz:
e engraçado.
Enfant gâté =D diz:
q tem umas figuras q msm sozinhas parecem felizes.
silas. diz:
o cara do rolo de papel? rs
silas. diz:
foi estratégico.
Enfant gâté =D diz:
kkk
Enfant gâté =D diz:
liga naum.
silas. diz:
haha
Enfant gâté =D diz:
eh q às vezes eu vejo coisas demais.
silas. diz:
uhum.
silas. diz:
mas eu espero que veja. ;-]
silas. diz:
por exemplo, o Pelé: muita gente se pergunta mais do número 7.
silas. diz:
"quem é?"
silas. diz:
é como um bom amigo que a gente pouco vê ou fala, mas que a gente ama e respeita bastante.
silas. diz:
eu me sinto assim com todos vocês.
Enfant gâté =D diz:
:D

terça-feira, 23 de setembro de 2008

"Sukaaaaa, pra você!" \o/