sábado, 13 de dezembro de 2008

... e foram parar na casa dos loucos.



Para Daniele Jardim, meu anjinho-irmã


Calor da tarde: o mais incômodo do dia. Andar por inúmeras lojas, sem se proteger debaixo de um pouco de sombra, nem tomar um delicioso refresco, era quase como cometer suicídio. O garotinho caminhou nos mesmos passos da mãe. Foram juntos descansar no interior de uma loja americana de doces, roupas e eletrônicos bem próxima ao centro da cidade. As pessoas, todas apressadas e preocupadas com a enorme fila de pagamentos que se formava no térreo do prédio, esbarravam umas nas outras, sem avisar ou pedir desculpas.
O garoto e sua mãe pisaram os degraus da escada rolante da loja, seguindo rumo ao departamento de brinquedos e vídeo, onde a mamãe logo cuidaria de averiguar os utensílios para o lar num tempo suficiente para que o garoto pudesse experimentar os brinquedos que sonhava em ter, mas que jamais poderia comprar. Os discos desorganizados nas estantes à esquerda, no departamento de áudio e imagem, também interessavam ao garoto: correu para ver o quarto disco do Led Zeppelin. Infelizmente, tudo era caro.

[É curioso observar que o mais incômodo acontecimento que há em nosso corpo humano é, talvez, a sensação de descontrole, e é impossível estar feliz quando se tem uma súbita e inadiável vontade de ir ao banheiro. Por mais que nos concentremos em fantasias sexuais para driblar a vontade de fazer o número 1, a dor é mais forte... e a bexiga, os rins e a uretra protestam veementemente: "Libertem-no! Libertem-no! Libertem-no! ...".]
O garoto se encontrava muito distante da mãe. Resolveu procurá-la para avisar aonde ia e, assim, tranqüilizá-la.

- Até que o banheiro dos homens está vazio... - o garoto falou para si mesmo - Mas que engraçado... eles todos estão entrando no banheiro feminino. Bando de malucos... ou tarados! Será que é apenas para funcionários?

Decidiu arriscar, antes que acontecesse uma explosão. Caminhou até à porta e leu o aviso: "Por favor, não utilizar o banheiro masculino. Estamos em teste de segurança”.

- Ahhhhhh, droga! Isso só pode ser gracinha do pessoal da loja... - irritado, disse o garoto - Mas eu vou morrer!

Parou, tentou segurar ao máximo aquele impulso orgânico e decidiu adentrar o palácio proibido, já esquecido do aviso amarelo pendurado na porta.
Girou a maçaneta, vagarosamente, e, como numa comédia de sessão da tarde, os alarmes logo exaltaram sua falta de discernimento para lidar com a estúpida decisão tomada. Um repentino medo o assombrou. Diante dos olhares acusadores, o garoto procurava desesperadamente encontrar sua mãe e fugir da cena do crime.

- Mas o que você fez? - a mãe indagou
- Nada! Eu só precisava ir ao banheiro, e aí um alarme tocou.
- Tá, vamos embora! Mas preciso levar esse presente. A gente desce e tenta pagar, mas só se a fila estiver pequena; se não, deixo lá. Ai, meu Deus...!

Os dois apressaram os passos e desceram as escadas, seguindo rapidamente para a fila, enquanto o alarme continuava a tocar tão alto e assustador quanto o ritmo do coração do menino. A boca aberta, o olhar vidrado, as mãos trêmulas e a vontade desesperada de sair o mais rápido possível do estabelecimento. A fila parecia maior ainda, aos olhos do garoto, como um novo tipo de corredor da morte interminável. Para uma criança assustada como ele, o simples girar de uma maçaneta e o soar de um alarme de segurança seriam suficientes para prendê-lo pelo resto da vida. O garoto só conseguia imaginar uma cara endiabrada de um juiz muito gordo e de barba grisalha, voltando-se contra sua pequenice, e gritando: "Culpado!”.
Os trinta segundos que se passaram logo depois da visão afligiram seu ser. A mãe pôs a xícara colorida no caixa, observou o preço da caneca, esperou a nota fiscal sair e procurou os dois reais e noventa e nove centavos guardados na bolsa (universo feminino). Absolutamente apavorado com aquele caos, o garoto arrancou uma cédula de cinco, puxou o braço direito de sua mamãe, olhou para a funcionária e disse:

- Pode guardar o troco!

Caminharam aproximadamente dez metros rumo à saída principal da loja, logo depois seguindo para o ponto de ônibus mais próximo. Ao longe, duas viaturas policiais e um carro-forte da empresa de segurança da loja chegaram para conter os criminosos. Mais aliviado, os dois conversaram sobre o caso:

- Nossa... que susto. Ainda bem, passou. - disse a mamãe
- Aiai... e eu só precisava fazer um xixizinho...
- ...
- ...
- Hahahaha
- Hahahaha

Depois de toda bagunça terminada e já dentro do ônibus, de volta para casa, veio-lhe um pensamento irrisório:
"Só poderia mesmo se chamar Rua do Hospício".

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