quarta-feira, 30 de julho de 2008

Alguém disse (2)

Amor, então
também acaba?
Não, que eu saiba.
O que eu sei
é que se transforma
numa matéria-prima
que a vida se encarrega
de transformar em raiva.
Ou em rima.


Paulo Leminski

Nadando

Por incrível que pareça,
talvez o melhor estilo
para um poeta moderno
seja o estilo clássico, ou
nado de peito. Ele exige
certa contenção. Você
deliza n'água mansa-
mente, como se hesitasse.
Ao atingir a borda, é
impossível virar cam-
balhota, daí talvez ele
ser chamado clássico, ou
quem sabe é porque é o que serve
melhor para se observar
o que se passa ao redor,
isto é, fotografá-lo, ou
-evitando anacronismo,

e já que falamos de água-
espelhá-lo, visto que o
espelho é por excelência
a metáfora do clássico.
Nadar é como uma cobra:
um constante enrodilhar-se
em pensamento por vezes
nada sublimes (que belo
traseiro ali adiante, etc.);
daí, em vez de estilo clássico,
talvez fosse mais correto
falar-se em mescla de estilos.
Nadar: um poema longo
em redondilha maior
com andamento de prosa
em que é difícil manter
o mesmo ritmo sempre

(Poe não dizia que um poema
deve necessariamente
ser breve?). Começa-se a
arfar, os músculos pesam,
respira-se irregular-
mente, o nado, apesar de
clássico, agora assemelha-se
a um poema moderno
(ou a um aprendizado),
um poema que tivesse
uma piscina por tema,
e um nadador que insistisse,
já que escrever poesia
(principalmente hoje em dia)
é uma espécie de nada.
Nada. Nada. Nada. Nada.

(João Moura Jr.)

quinta-feira, 24 de julho de 2008

O simbolista esquecido.


Eu encontrei na estante de livros do quarto do meu primo o livro A Obra Poética de Edgard Mata sem a menor intenção. Estava somente dando uma olhada, como dizem, procurando algo diferente para ler, aí achei essa pérola escrita por uma professora da UFRJ, em 1978, e que, talvez, nunca tenha passado por uma reedição.
Realmente difícil, missão semelhante a de sacerdócio, achar o livro de Cilene Cunha de Souza. Ela sim teve espírito de monja para pesquisar, escrever e divulgar um pouco sobre Edgard da Matta Machado, um poeta tão esquecido que, nas palavras da autora, ainda aguarda uma publicação em livro de sua obra, fragmentariamente conservada na tradição oral e em efêmeros jornais de seu Estado.
Edgard nasceu em Minas Gerais, na cidade de Vila Rica (Ouro Preto), mas viveu até sua morte em Diamantina. Filho de um Conselheiro e descendente de duas famílias tradicionais, aos vinte e poucos anos integrou o Grupo Simbolista de Belo Horizonte e participou da fundação do primeiro jornal literário de lá, o Lotus. Trabalhou em jornais, a exemplo do Comercio de São Paulo, onde publicava crônicas diárias sob o pseudônimo de Mário Corvo; mas certa vez foi advertido a respeito de ser muito fúnebre e lembrar Edgar Poe, como disse o editor do jornal, Afonso Arinos.
Após 1903, Edgard caiu em desilusão com a vida e passou a vagar por ruas, becos e botecos, sempre atrás de uma bebida que às vezes recebia em troca de pequenos serviços ou algumas improvisações poéticas. Sobre esse lastimável momento de sua vida, dizem os familiares e os poucos que o conheceram ter sido motivada pelas mortes repentinas de seus pais ou uma desilusão amorosa que teve ainda na adolescência: "Tinha sempre nos lábios os versos de Antônio Nobre:

E a Vida foi, e é assim, e não melhora.
Esforço inútil. Tudo é ilusão.
Quantos não cismam nisso mesmo a esta hora
Com uma taça, ou um punhal na mão!"

No mesmo ano de 1903 voltou à sua cidade e passou a residir com sua avó paterna. Em 1907, ele veio a falecer daquilo que popularmente se chama morrer de beber. Também por ser considerado o melhor gênio criativo do Grupo Simbolista do qual fazia parte, houve bastante pesar pela sua morte. Na lápide estão escritos, divididos em três partes, as informações básicas sobre sua vida e idade (Edgard da Matta Machado./Nascido em Ouro Preto, a 21-10-1878./Falecido em Diamantina, a 26-2-1907./Orae por elle), os poemas Estalactite e Ouvi-me, irmãos, ambos de sua autoria, e o poema Saudade, escrito por Maria Higina, que resume o lamento dos que o amavam.
Apesar de ter vivido seus últimos dias em dolorosa boêmia e ter definhado até quase não restar resquícios de suas faculdades mentais (sobre esta informação existem contradições), é bastante válido aos que pretendem conhecer um pouco mais da literatura brasileira, especialmente a fase do Simbolismo, uma mínima leitura das poesias e poemas desse autor mineiro; ainda mais quando se sabe que por ser extremamente raro esse contato com suas publicações (diversas queimadas estupidamente por sua tia que, acometida de insanidade, extingüiu a maior parte dos poemas - muitos ainda inéditos) e o fato de A Obra Poética de Cilene não ser tão acessível, deve-se, então, não esperar que o resgatem do esquecimento profundo.
Nossa gentil leitura talvez seja o mínimo que ainda se possa fazer.


Abaixo, os poemas que pude digitar e aqui publicar.
Façam bom uso, garotos!
;)


Memória I

São os meus versos de hoje uma elegia
A ti primeiro e derradeiro Amigo,
Fi-los pensando num luar antigo
Que evoca os sonhos das visões de um dia.

5. Peço por ti a Quem os astros guia
Preces e luares para o teu jazigo
E para aquela que numa agonia
Seguiu-te perto, se viveu contigo.

Teu pobre filho que deixaste exposto
10. No mundo - a roda da Desgraça, o espaço
Contempla, erguido, o lacrimoso rosto -

Compõe-te uns versos, mas, se os leva o vento,
Melhor fizera se galgasse o Paço,
Desfiando agora seu rosário bento.

Memória II
Ajoelhado, rezando a Oração Funerária,
Eu senti nesse dia a emoção do Deserto.
O olhar pairava além da região solitária
Vago como o de quem sonha embora desperto.

5. E nesse dia feral foge ainda tão perto
E com ele fugiu toda paz visionária...
Ah! visões tenho-as eu, mas em túmulo aberto
E os crepúsculos cristãos duma bênção mortuária.

Tudo mais se apagou. Fui viver num mosteiro.
10. E podereis talvez ver o Prior do Desgosto,
Mas não é nem Templário ou Monge Cavaleiro.

Procurai-o. Ele está sempre a rezar absorto
Na cela vesperal duma tarde de Agosto
A contemplar no Azul a aparição de um Morto.

Piedade Astral
Alma de lírios, sofredora e casta,
De angústias velhas que um luar consola!
Alma dorida que na terra esmola
Amplos repousos que o Nirvana arrasta!

5. Ah! tanta Dor indefinida basta
À tua estranha provação! Desola
Essa lamúria que em ti se evola,
Alma de lírios, sofredora e casta

Segue por essa solidão sem termo
10. Da esfera curva, procurando a Lua,
A sonolenta visionária do ermo...

Pois só a mansa Caridade etérea
Dos astros pode consolar a tua
Inconsolada e trágica Miséria!

Soneto
Olhos fitos no azul de tardes maceradas,
Quando o Sol vai morrendo e vem nascendo a Lua!
Olhos meigos, oceano onde manso flutua
O bergantim da Dor de Almas resignadas! ...

5. Sondando o teu olhar, vejo tua Alma nua,
Tão pura, mas lembrando estrelas apagadas
E um tom longínquo de longínquas alvoradas
E a sombra vesperal de uma lembrança tua...

Deviam ter assim os olhos como círios,
10. Voltados para o céu, de cima das fogueiras,
As Santas, no momento augusto dos martírios! ...

São olhos onde habita a Paz do cemitério,
Desiludidos como a chama das tocheiras. . .
Erram neles agora as sombras do Mistério! ...

Soneto
Tu, que eras para mim a aparição de opala,
A estrela vesperal de um crepúsculo imoto,
Sem as cores da vida ou harmonias de fala,
Partiste e hoje só vens como um sonho remoto.

5. Levaram-me, sem só, pelas sombras de vala,
As mãos cruzadas sobre o peito - o extremo voto -
E a pupila, que tinha algum sonho a nublá-la,
Guardava o áureo fulgor do teu olhar devoto...

Morreste; mas na Morte os teus triunfos eternos:
10. A tua carne volta imaculada e pura
Em vagas sugestões de outonos e de invernos! ...

És bela eternamente. E eu sinto as Primaveras
Quando numa visão o teu olhar fulgura
Longinquamente triste, a desvendar Quimeras...

Mors Amoris
Dias tristes virão, tristes e sonolentos,
Sepultar nosso amor num tédio de cegonhas...
E tudo que hoje vês, tudo que amas e sonhas
Há de morrer no "spleen" desses dias nevoentos.

5. Os lábios que hoje beijo hão de dizer lamentos,
Muito embora ao desgosto o antigo amor oponhas.
Hão de soar na tua alma harmonias tristonhas
E os salmos de saudade e horas de desalentos.

O teu olhar de luar embebido nos Poentes
10. Terá, na Ave-Maria, o empalecido lume
Dos círios a alcançar a agonia dos doentes.

Partindo, levarás toda a lembrança tua!
Que ficarei também sem saudade ou queixume,
Como o Sol que abandona sua noiva - a Lua...

Assistência Póstuma
Quando ao meu triste olhar as sepulcrais Vidências
Mostrarem-se, rasgando os ninhos do Mistério,
Meu corpo dormirá num velho cemitério,
Abandonado ao luar das outonais plangências.

5. E ali, morrendo um Sol, em pálidas diluências,
Nesse abandono sacro e vesperal e etéreo,
Há de velar-me a tumba algum olhar sidéreo,
Um Astro de Piedade e de imortais Essências.

E este Astro foi meu guia em pávidos desertos
10. E teve sobre mim, constantemente abertos,
Os paliuns siderais das proteções terrenas.

E quem me aconchegou nas solidões do Inverno
A cova há de vestir, num grande amor paterno,
Da estranha maciez de arminhos e de penas.

Soneto
Caiam Paliuns de paz e proteções terrenas
Sobre os que vão na terra entre ilusão e a mágoa,
Mãos para os céus voltando e os olhos rasos d'água
Numa alucinação de agruras e de penas.

5. Flutuam no passado, em soluções serenas,
Cipestres a carpir, ondas batendo a frágua. . .
E lá para o Futuro, onde a ilusão deságua,
Descerra pelo Azul a pálida Açucena.

Tudo tombou assim, como castelos vagos. . .
10. E o que virá depois desses tristonhos dias
Serão a mesma dor e o mesmo azul aziago?

Horas que não vêm mais, já sepultadas longe. . .
E venha agora a Lua, entre mortalhas frias,
Iluminar na estrada o solitário Monge.

Enfermo
Enfermo. . . e os olhos pálidos descerra
Tão fatigados e tão cismadores,
Que uma visão de sonolências erra
A pressagiar misteriosas dores.

5. As faces têm esbatidas cores
Do luar de Agosto num país de serra. . .
Há no sorriso que um lamento encerra
Um poema ignoto de saudade e amores.

Tudo é sereno neste estranho enfermo
10. E no fulgor do seu olhar tristonho
Sentem-se as velhas nostalgias do Ermo.

Fala. . . e a palavra é tão solene e mansa
Que penso que anda o derradeiro Sonho
A povoar-lhe as solidões da Esp'rança.

Êxtase
Das solidões do Azul iluminadas
Vinham descendo procissões piedosas
De anjos e sonhos e visões aladas
Com grinaldas de estrelas luminosas.

5. Desciam por quiméricas estradas,
Tapetadas de lírios e de rosas,
Como Santas e Monjas lacrimosas
Do mosteiro de plagas consteladas.

Flutuavam no espaço sonhos calmos,
10. Harmonias e cânticos e salmos
De invisíveis espíritos etéreos...

Nessa hora, ao meu absorto olhar tranqüilo,
Desvendou-se o sublime Peristilo
Do Castelo brumoso do Mistério...

Esmola
Senhora! pelos áridos caminhos,
Vós já vistes, decerto, mendigando
Um velho maltrapilho, soluçando,
- Filho da raça espúria dos mesquinhos.

5. E vosso olhar, que é feito só d'arminhos,
Perde os fulgores rutilantes, quando
Se vos depara um mísero chorando:
E abre-se então a urna dos carinhos.

E neste hora, nas pálpebras divinas,
10. Andam lágrimas puras, cristalinas,
Como um diamante raro do Oriente...

Eu vos peço, também, a minha esmola!
Lançai-ma aqui no coração - sacola:
- Um raio só do vosso olhar ardente!

Outonal
Por entre as quaresmais micerações do outono
Minha Alma peregrina anda perdida agora,
Pois se ela tem a mesma paz, o mesmo sono
E a mágoa vesperal que pelos serros chora...

5. As folhas vão tombando, assim como quimeras,
Das árvores da Crença em nosso coração:
Percebe-ce a saudade astral das primaveras
A florescer roxeada em toda Solidão.

O sonho foragido, o bergantim dourado
10. Lá vai cortando o oceano intérmino das mágoas...
- Olha a tristeza de um castelo abandonado
E a mansa quietação simbólica das águas!

Já não mais brilha o luar sonâmbulo nos ramos,
Não cantam rouxinóis - os pássaros celestes.
15. Tudo foi feito para quando amamos,
E o nosso amor repousa à sombra de cipestres.

Onde anda o teu olhar nostálgico buscando
A luz do meu olhar que tu abandonaste?
O lírio sideral desta paixão, murchando,
20. Vergou-se lentamente e separou-se da haste.

Agora só me resta a tênue claridade
Escassa desse olhar distante, que não vejo...
E floresceu magoada e triste uma Saudade
Na fronte em que deixaste o teu primeiro beijo.

Versos
Falo-te, agora, na surdina mansa
Das vozes de um luar incompreeendido
Não vale mais tua bela trança...
Tudo no mundo, tudo, é já perdido.

5. O sonho abstracto que sonhei um dia
Desfez-se como as brumas do levante,
Passam por mim fantasmas da Agonia,
Pois todo o riso já vai tão distante! ...

Nem Conventos, nem Trapas, nem Calvários
10. Têm para mim largas e abertas portas!
Visto o bioco dos monges solitários
Na comunhão final das coisas mortas.

Tudo passou. E as cinzas do Passado,
Leva-as o vento para Nunca-Mais...
15. Dona Triste, do olhar amargurado,
Quem sabe o dia em que me encontrarás?

Contam que existem, muito além da Terra,
Vagos países de abandono;
Quando acabar a guerra,
20. Vai começar a noite e o luar meigo do sono...

Crianças
Eu, que tenho a alma triste, a alma desolada,
Viúva d'ilusões, vazia d'esperanças,
Gosto de ver sair da escola, em revoada,
O bando folgazão e alegre das crianças.

5. Espíritos que a luz da infância inda ilumina,
Meninos que viveis no mundo das Quimeras,
Almas que têm o meigo aroma da bonina,
Flores, desabrochando ao Sol das primaveras,

Contemplo-vos agora e fico-me a pensar
10. Que a alegria franca, essa alegria azul,
Vos há de a todos vós um dia abandonar
- Nevoeiros que desfez a viração do Sul!...

Estalactite
A gota vagarosa,
Infiltrada no dorso hirsuto da montanha,
Atravessa da gruta a abóbada porosa
E forma lentamente incrustação estranha.

5. Também na alma humana
A lágrima cruel, caindo dia a dia,
A lágrima que gera a negra dor insana
Forma a Estalactite enorme da agonia.

D. QuixoteO esguio D. Quixote, o altivo herói andante,
Viver a combater a iniqüidade e o mal.
Em seu cérebro, então, surgiam, delirante,
Aventuras de amor, combates sem igual.

5. Foi assim que ele teve o encontro dos moinhos,
Que numa hospedaria o armaram cavaleiro,
E que encontrava sempre, à beira dos caminhos,
Aventuras iguais à do elmo do barbeiro.

A imagem gentil da Dulcinéia amada,
10. Iluminando aquele espírito doente
Para a conquista ideal da glória desejada,
Ao herói emprestava um desespero ardente.

E enquanto ele viveu nas alucinações,
A combater heróis e perseguir gigantes,
15. O pobre cavaleiro altivo dos Leões
Sofria calmamente as dores irritantes!

Mas, quando, fatigado, em mortuário leito,
Voltando-lhe a razão, o Sonho conheceu,
Um ai entumeceu-lhe o emagrecido peito
20. E o grande lutador, a suspirar, morreu...

Eu tinha como ele um ideal, Senhora!
Vivia da quimera azul do nosso amor:
O sonho se desfez; e só me resta agora
Aspérrima saudade e truculenta dor...

sábado, 19 de julho de 2008

Banksy *






Não se sabe nada a respeito de Banksy. Ninguém jamais viu seu rosto, sua pele, cor ou altura; nem sequer ouviu sua verdadeira voz. Contudo, o grafiteiro britânico de maior impacto nos últimos anos já teve sua obras expostas em galerias de arte, leiloadas em sites e diversas reproduzidas em milhares de camisetas.

Sabe-se que a intenção de Banksy é chocar. Através de uma cena armada, juntando objetos e personalidades comuns a todos, passando por acontecimentos diários e pouco significantes até os mais violentos, Banksy deixa sua marca, sua personalidade criativa e opinião subversiva expressas, talvez esperando que tenhamos um olhar crítico o suficiente para intervir no desarmônico conjunto social no qual vivemos.

Não é difícil para o espectador sentir-se atônito ante a garotinha vietnamita da obra "Napalm" - "bem" acompanhada dos mal intencionados Mickey e Ronald - , impotente ante aos sinais de um futuro apocalíptico em "Jack and Jill" (Police Kids), ou até mesmo horrorizar-se com a pseudo-cristandade de uma sociedade ocidental consumista em "Christ with shopping bags" .

Incisivo e altamente recomendável.


# Banksy é o único artista de rua em Bristol, sua cidade, a ter seus trabalhos reconhecidos pelo governo local. E nenhuma obra sua foi apagada;
Banksy, sobre seus pais e a sua profissão: “Eles pensam que sou um decorador e pintor”.

Microcosmos


Microcosmos: Le peuple de l'herbe
Microcosmos: Fantástica Aventura da Natureza, como foi traduzido em bom Português, teve sua realização completa no ano de 1996. Durante seus 30 minutos -e nada mais- este pequeno documentário sobre a vida animal reune cenas diversas de um verdejante prado localizado em algum lugar da Terra.
Nossos heróis não são super estrelas: tratam-se de insetos e outros poucos animais selvagens que, entre seus minúsculos mílimetros de comprimento (até dois ou três centrímetros, em média), realizam o seu exercício mais natural.
Tudo está mantido sob o conceito de microcosmos, possibilitando a cada espectador assistir ao nascimento, crescimento, reprodução e até mesmo à morte, numa constatação inusitada sobre o que é Universo, suas dimensões, etc.
Em suma, a existência não passa de uma percepção de cada espécie; e isto significa que se para nós, por mero exemplo, uma simples gota de água é nada mais que desprezível, para um outro conjunto de seres vivos muito pequenos a mesma é como um oceano.

Uma hora é como um dia, um dia como uma estação, uma estação como uma vida inteira.


O brilhantismo deste espetáculo dos Microcosmos reserva ao espectador bons momentos de curiosidade, espanto, descoberta, beleza e simpatia. Um vídeo primoroso, sem intervenções ou comentários de narração onde, salvo alguns minutos de música e o rápido monólogo de apresentação, tudo acontece naturalmente e assim permanece.

Vencedor do prêmio Cesar de 97 (Som, Fotografia, Trilha Sonora, Montagem e Documentário), com a produção de Jacques Perrin, Christophe Barratier e Yvette Mallet. Direção de Claude Nuridsany e Marie Pernnou. Absolutamente válido e, talvez, inesquecível.

"Mas, para aproximar-se deste mundo, tem-se que aprender a silenciar e escutar seus murmúrios..."

quinta-feira, 17 de julho de 2008

{5}

Em casa, minha mãe e eu. Deitado no sofá, assistindo a um filme péssimo na tv, vejo minha mãe tirar da bolsa o último Ice Kiss sabor canela. Mamãe decide dar uma lida na embalagem do confeito:

- Uhn. Deixa eu botar meus óculos pra ver o que tem escrito.
- O que é?-
pergunto.
- Ãn... Diz "Na sua vida o dê jota é você..."
- Na sua vida o dê jota é você?... ô. Aaaah!... Na sua vida o DJ é você! (rindo muito)
- Ahaha DJ, é?
- É."Di Jêi". Entendeu? Tá em Inglês. Aquele cara que passa música em festa, em show... sabe? (rindo muito)
- Ahhh siiiiiim. (rindo muito)
- "O dê jota"... por isso eu achei estranho. (ainda rindo)
- Ai, e como é que eu vou saber? Eu não entendo nada desse negócio de Di Jêi. Outra geração, né (risos)
- Haha. Aiai, mãe... a senhora é demais. - :)
- Hauahua - :D

{4}

Na Internet, durante uma conversa sobre qual disco seria mais pesado, Nevermind (Nirvana) ou Fun House (Stooges), vieram várias respostas. Toda uma conversa sobre influência, originalidade e aquele papo técnico que já é de costume, mas nada realmente convincente pra desempatar a disputa.
"O melhor é Nevermind";
"Cês tão maluco, cambada?!! Fun House, claro!".
Quando se fala de Rock, nunca se sabe realmente o que se quer dizer com pesado. Um termo dúbio, sabe? Seria o quê? "Agressivo"? (Continua dúbio). "Furioso"?... "Cru"? (eca!). Aí, no meio daquela confusão entre fãs e fãs, alguém manda uma mensagem tosca e ao mesmo tempo suficientemente lógica pra fazer a galera rir:

"Sim. Realmente, Funhouse é mais pesado.
Tire suas dúvidas:
Funhouse : O LP pesa 315g, o CD, 148g;
Nevermind: O LP pesa 297g, o CD, 145g.
Fonte: INMETRO, abril de 2003.
haha"

Bobagem de primeira.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

"É um prédio curioso... quando se vê de longe..."


Todo como uma rocha, uma pedra única de cimento e barro, parece que algum dia ele vai despertar e sair andando dali. O lugar? Qualquer um menos aquele. Mas eu gostava de ficar embaixo dele, sentado num banco de cimento pregado no corredor externo do térreo. Meu pai e eu passávamos bons tempos lá. Eu levava a minha bicicleta velha, toda em pedaços, que eu tinha na cor azul, ou pegava emprestado a do meu pai e passava horas a correr pelo Campus, dando voltas e voltas, e mais voltas. Depois eu voltava, sentava ao lado do meu velho e ouvia seus discursos sobre a Bíblia Sagrada e as histórias, verídicas ou não, que lá estão escritas. Até me lembro que discordávamos de diversos pontos. Sempre achei que o meu pai fosse fundamentalista demais - e de fato ele é. Já ouviu a expressão "A Bíblia é a sua espada"? Pois então, isso resume tudo que estou contando - . Mas o meu pai era muito bom mesmo em contar histórias, e me surpreendia quando descrevia detalhes dos acontecimentos finais do mundo, ou quando contava as historinhas de Davi, Sansão... Jeremias, Cristo, e muitas outras que eu costumava ouvir toda manhã de domingo na igreja.
Depois de respirármos bastante ar puro, às vezes dávamos voltas sem rumo certo. O que bastava era andar, fosse por ali ou acolá. Andávamos, só isso. Certa vez ele subiu numa árvore cheia de azeitonas roxas, formigas e tudo mais, apenas para pegar os frutos. Ele sabia do meu gosto, e por isso foi até lá, mesmo que lhe custasse tomar algumas mordidas. Para ele não importava a dor, o esforço mínimo ou gigantesco que fosse. Assim, eu não lembro de uma só ocasião em que ele não tentasse me ajudar. Seu contentamento esteve todo tempo em me ver feliz. Certa vez, juntos, nós criamos duas pipas e ficamos durante horas brincando em frente ao CFCH, numa área verde. Foi nesse mesmo dia que minha pipa se deixou levar pelo vento forte e entrou numa sala do décimo ou décimo primeiro andar, não sei. Uma mulher pôs o rosto para fora da janela, fez um xingamento e depois entrou. Salvo o desastre, a situação teve muita graça. Meu pai e eu rimos durante horas, e acabou que sempre no meio de uma conversa qualquer, vez ou outra, ríamos novamente, lembrando e relembrando a desgraça da magnífica "pipa assassina". Aqueles dias sob a sombra do titã de pedra nos fizeram bem, pois jamais terminou de outra maneira que não fosse a mais agradável.
Às vezes eu subia e descia pela esteira que leva ao primeiro andar e que hoje está desativada. Corria para ver a turma da primeira sala, soltava gracinhas e retornava ao térreo. Nessas situações, os alunos prestavam bastante atenção em mim... acho que gostavam, mas, nem sei porque nunca mandavam seguranças falarem comigo; nunca havia alguém para me tirar dali. Contudo, na primeira vez que os garotos me olharam fiquei preocupado, pensando que talvez eu estivesse mesmo errado em ir até lá. Enfim, essa história nunca deu em nada.
Nos últimos dias eu pensei nas coincidências daquele tempo e o de agora. Exatamente porque foi nessa mesma sala perto do final da esteira que eu tive minhas primeiras aulas do curso de História. Eu apenas era um pequeno brincalhão, jamais havia pensado em estudar ali, naquele prédio. Na época eu devo ter pensado em ser um bombeiro, motorista, astronauta... Historiador? Háh! Isso não entra na lista do "quero ser quando crescer". Foi assim que eu descobri o que os moços simpáticos tanto faziam por lá. Coisa que nunca fiz ou ousei fazer foi entrar no prédio. Eu pensava que era preciso credencial, ou, sei lá... ticket, talvez. Nunca mencionaram comigo nada a respeito do ambiente interno do Centro. Fiquei mais ciente disso ao longo do curso, e desde que eu inicei só tivemos professores bem loucos. E nós temos professores bem loucos! E - será possível?! - nós teremos professores ainda mais loucos!
Quando me debruço na janela da sala vinte e um às vezes esqueço do tempo... às vezes me lembro um pouco, ainda cheio de falhas na memória, do meu tempo infantil, dos meus "dias de esteira", da sala onde entrou a pipa e que hoje talvez seja a mesma da professora de Brasil V (que ela não saiba disso :D). Lembro mesmo é do tempo ganho, e não perdido, sentado junto ao meu pai no banquinho próximo à entrada do Centro. Sentado nos bancos de praça que estão no meio do corredor do segundo andar eu fico voando, como se tentasse refazer o nosso quase ritual familiar dos fins de semana... tomando o vento que corre da janela até onde estou, dialogando bobagens com os amigos mais próximos e os mais distantes. Abro meu sorriso tímido e reflito: "A vida é boa".

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Alguém disse.



"Toda sociedade é um sistema de interpretação do mundo; e, ainda aqui, o termo 'interpretação' é medíocre e impróprio. Toda sociedade é uma construção, uma constituição, uma criação de um mundo, de seu próprio mundo. Sua própria identidade nada mais é que esse 'sistema de interpretação', esse mundo que ela cria. É por isso que (da mesma forma que qualquer indivíduo) ela percebe como um perigo mortal qualquer ataque a esse sistema de interpretação; ela o percebe como um ataque contra sua identidade, contra ela mesma."

Cornelius Castoriadis