segunda-feira, 23 de junho de 2008

Monalisa teve um Orgasmo¹



Sempre nos perguntavam nas aulas de arte se tínhamos idéia sobre o que os pintores mais importantes de cada movimento e escola de pintura teriam concebido antes ou durante a produção de suas respectivas obras. Custo a ter certeza, mas acho que o ponto crucial desses exercícios era despertar nossa criatividade adolescente ainda adormecida, ou pelo menos obter simples respostas. Mas tudo bem.
Durante a aula sobre Renascimento, chegamos a comentar sobre a importância de Leonardo Da Vinci na cultura secular. Na época, nem sequer cogitávamos sobre o Código; filmes, livros de hoje, pérolas de Dan Brown, etc, muito menos que o nome Da Vinci seria, mais uma vez, tão falado e sussurrado pelos cantos e ruas (Nem eu sabia que existiria um personagem de nome igual ao meu naquele bendito filme com o Tom Hanks). Houve muita agitação durante a semana, e ficávamos à espera de saber cada historinha do multi-homem, o Léo, aquele irmão, quase chegado nosso. Hoje eu fico imaginando como a professora Leila conquistava nossos sentidos, sendo capaz de tornar um assunto tão chatinho, sem sal, em algo delicado e atrativo. Aquela mulher era fantástica - é apenas o que sei -, tanto que se tivesse uma filha trataria logo de pôr o seu nome de Leila; ou, se não fosse possível, pelo menos um apelidinho carinhoso... Lêlê, lélé. Fica bom assim. Leila é nome de música, coisa que amo muito.
Mas Leila nunca quis saber de maiores conversas. “Respondam! Ponham o cérebro pra funcionar, crianças...”. Odiava quando ela dizia crianças, com aquele tom desafiador, do “agora quero ver”. Às vezes ela chegava ao ridículo de querer, por exemplo, um desenho nosso sobre uma casa muito engraçada que não tinha teto e não tinha nada. Tanto fez, que recebeu de mim apenas uma folha em branco. "Não tinha nada, lembra?", foi o que eu disse.
Algumas pessoas arriscaram dizer que poderia ter sido uma piada, mas logo tomaram banho de água fria, porque “se fosse piada, Monalisa estaria explodindo em riso, e não com aquela carinha delicada”. Teve gente dizendo ser apenas pose para a pintura, mas essas pessoas nem tiveram vez ou réplica da professora. Ela não era disso de aceitar fácil uma explicação, e as mais bobinhas não tinham espaço. Mas aí eu comecei a levar a sério o desafio. Pus meus olhos fixos na reprodução da folha impressa que circulava na sala de aula, de mão em mão, e fiquei imaginando. Reparei bem o trejeito de Mona, observei em que época teria vivido e liguei tudo isso ao seu comportamento, que não deixava de ter sua graça. E mais graça ainda ao pensar que parecia transparecer um ar de molecagem, ou coisas que ela não deveria ter pensado naquele momento e que, ainda assim, pensou. “Esse risinho é um pouco safado... parece que ela... ei!”. Cogitei algo, mas salvei a excitação daquela observação e mantive minha opinião guardada para o instante em que Leila me questionaria, preparada para refutar minha resposta, fosse qual fosse.
No centro da sala, alguém comentou sobre algo: “Não é bem assim”, ouvi Leila responder. “E aí, Silas, o que você acha?", olhou bem para meus olhos e mandou essa. Tinha chegado a hora, e eu, já ciente do que poderia acontecer, mesmo assim respondi: "Ela... Monalisa... a Monalisa... ela..." - suando frio, as mãos gélidas - "Monalisa teve um orgasmo!" - soltei rapidamente, sem mais duvidar.
Nem preciso dizer (ou preciso?) que depois disso eu mal consegui andar de um canto a outro daquela bendita escola sem que eu fosse lembrado como o cara do orgasmo; nem que durante aquela aula não pude concluir meu raciocínio sério diante de tamanha festa, choro de alegria e muito mais. Riram tanto quanto foram capazes, e no tempo de uma semana inteira de aula eu fui o alvo. Faltava-me somente algo do tipo kick my ass preso nas costas.
No último ano de estudos, a 8ª, as seqüelas nem haviam sumido direito. Sempre havia um que, relembrando situações engraçadas, fazia menção ao ótimo “caso Monalisa”. Aliás, no fim daquela aula memorável, Leila apenas conseguiu me contar que a minha resposta havia sido a mais... mais de todas as que ela teria ouvido até então. Quando pude comentar a respeito, meses mais tarde, e fizeram questão de me perguntar o porquê de tal conclusão, respondi simplesmente com as palavras mais naturais e claras que me vieram à mente:
Eu achei que deveria focar o sorriso sem esquecer Monalisa, a mulher, a pessoa com as sensações que todo mundo tem. Depois disso, por ser tão enigmático, a ponto de provocar discussão quase sem fim naquela aula, eu achei melhor ter uma resposta pra todo mundo discutir. Claro que não pensei, de cara, que teria a ver com sexo. Não sou tão bom assim, nem posso dizer que sou o tal. Aí eu mirei a foto bastante enquanto ia escutando as respostas. Todo mundo respondendo assim... na lata. Até que me veio uma idéia rápida sobre a época de Monalisa, de Da Vinci... um mundo ainda protegido, bastante machista. Aquele mundo onde as mulheres não podiam sentir ou, pelo menos, aparentar prazer. Foi quando me veio na cabeça o sexo. Prazer-sexo. E eu fui ligando uma coisa com a outra, até rever aquele sorrisinho safado e imaginar o famoso orgasmo. Aquilo ainda tá na minha cabeça: orgasmo. Sorriso-prazer... é isso”.
Até que a justificativa pareceu boa, suficiente pra que armassem carinhas de pensamento. E todos eles se contentaram com a explicação. Alguns deles ainda riram; outros até concordaram... Mas eu ainda acho que teria melhor sucesso, como uma boa amiga certa vez mencionou, se dissesse que Leonardo da Vinci, no decorrer de suas pinceladas (no bom sentido, claro), talvez estivesse nu. Vai saber.

¹Olha bem pra essa carinha e me diz que não!

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