segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Natural

Todos os olhares se voltavam para o chão, enquanto eu passava no corredor principal. O lugar sujo de branco, cinza e azul; uma mistura psicodélica de tons agressivos e angustiante temperatura quente. Naquele mundinho, pensar em respirar era sinônimo de morte. Homens e mulheres sem nenhuma disposição passeavam para todos os lados. Nos rostos, a junção de mil noites mal dormidas, angústia e ódio.
Cada personagem novo que por ali passava naquela hora da manhã segurava firme suas bolsas e livros de todos os tamanhos e formas, aparentando preocupação com seus assuntos particulares. Não era o momento oportuno para se dizer "bom-dia"; nenhum deles saberia responder. Por alguns instantes eu me preocupei em não estar ocupado com nada. Dei uma volta nos outros espaços do prédio, averigüei horários e compromissos... depois me sentei em qualquer cantinho e esperei a passagem do tempo. Avistei mais duas ou três pessoas desconhecidas que comigo compartilharam um profundo tédio. Logo depois, decidi levantar e sair de lá. Fiquei encostado na parede que dava para o segundo portão interno, com um dos meus joelhos dobrado e o rosto voltado para o céu. Eu podia ver quatro nuvens, e uma delas tinha o formato parecido com o de um cão. O restante estava muito difícil de identificar, então desisti.
Cerca de cinco minutos mais tarde, senti alguém se aproximar de mim. Era alguém que reparava muito bem a minha atividade estúpida. Pelo canto inferior dos olhos notei que estava a fazer tímidos sinais com as mãos. Custaria pouco de minha vontade para vê-la sorrindo, mas optei por fingir não ter algum interesse ou curiosidade em lhe falar. Eu senti que sua boca começava a se abrir para me dizer algo, enquanto se aproximava. Tinha uma aparência de contentamento, surpresa, timidez e receio.
-O que vai ser?- pensei -"Olá", "Oi", "Ei", "É..."?
O que veio a soar nos meus ouvidos não foi nenhum monossílabo da costumeira comunicação entre estranhos. Ela me disse duas palavras, em total sinal de afeto e gentileza:
-Como vai?
Pôs um dos braços por cima do meu ombro, esticou-se um pouco em cima de mim e me deu um beijinho no rosto. Depois, com os dentes, beliscou de leve minha orelha, de um modo que me causou arrepios. Ela me puxou a ponta da orelha como se não tivesse ninguém por perto, como se fossemos íntimos de longa data. Pude até mesmo sentir o calor de sua respiração ofegante e a sua língua me tocar enquanto me mordia silenciosamente. Permaneci imóvel, chocado, e continuei a observar as nuvens. Antes que eu tomasse coragem e lhe desse uma resposta, já a enxergava bem longe de mim, caminhando vagarosamente, olhando bem nos meus olhos em todo esse tempo, ao passo que se afastava cada vez mais. Mostrou-me outro sorriso zombeteiro, e terminou por dizer:
-Olha, aquela ali bem na ponta parece um cão... Não é?!
-Eu também acho - respondi feliz e tímido, em agradecimento.
Voltei os olhos para cima e, em seguida, de volta para o corredor. A garota já havia sumido.

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